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Sucesso espetacular contra o crime no Rio só será “histórico” se não parar por aqui
por Ricardo Setti
A espetacular operação policial-militar que restabeleceu, ao menos temporariamente, o poder do estado nas favelas do chamado Complexo do Alemão, no Rio, e devolveu a dezenas de milhares de pessoas honestas a condição de cidadãos que lhe era negada diariamente pela tirania dos traficantes de drogas, pode e deve ser aplaudida pelo seu planejamento, execução e resultados.
Merece reconhecimento o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), que no final das contas ordenou a operação depois do desafio representado pela onda criminosa que os bandidos desencadearam, com incêndios de veículos, ataques a postos policiais e arrastões. O mesmo, sem dúvida, se aplica ao secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, coordenador das ações.
Reconheçamos igualmente os méritos do presidente Lula, que, mesmo silenciando por longos dias enquanto o Rio pegava fogo, quando era seu dever utilizar sua autoridade e sua popularidade para no mínimo dirigir uma palavra de alento aos cariocas, fez o dever de casa corretamente, disponibilizando ao governo fluminense recursos federais importantes para a vitória de domingo contra a bandidagem.
E, naturalmente, as forças da ordem diretamente envolvidas – as polícias Civil e Militar, a Polícia Federal, a Polícia Florestal e, principalmente, o Exército, a Marinha e a Força Aérea Brasileira.
DESMORALIZAÇÃO DIÁRIA DAS INSTITUIÇÕES ERA INTOLERÁVEL
Não se pode, neste momento, deixar que considerações ideológicas e má-vontade política negem a evidência de que o governo do Rio e o governo federal, em cooperação, deram um passo importantíssimo contra um estado de coisas intolerável: a existência, no Rio de Janeiro, de um território em que há décadas a única lei que imperava era a dos criminosos, num processo diário de desmoralização das instituições.
O grande desafio, agora, para os dois governos – no finzinho do mandato de Lula, avançando para dentro do mandato da presidente eleita Dilma Rousseff – é não permitir, de modo algum, que essa vitória de grande significado policial, político e psicológico termine como um episódio isolado, e tudo aos poucos volte a ser como antes.
Com outras cores, foi assim em 1992, quando houve na cidade a grande conferência internacional sobre o meio ambiente Rio 92 e o governador Leonel Brizola (PDT) – um dos responsáveis pela tolerância com os criminosos de morros e favelas que levou ao atual estado de coisas – solicitou e obteve tropas federais para patrulhar a cidade, fazendo desabar os índices de criminalidade durante três semanas.
O mesmo se deu em 2007, com a vinda da Força Nacional de Segurança para auxiliar no enfrentamento de uma onda de ataques deflagrada no início do governo de Cabral Filho. Nessa ocasião se instalou o Gabinete de Gestão Integrada (GGI), constituído por autoridades federais e estaduais em coordenação na coleta e análise de informações e no planejamento de ações de segurança. O espasmo passou.
RESULTADOS DAS UPPs AINDA ESTÁ EM ABERTO
O governo estadual passou, é verdade, à instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), uma excelente ideia cujos resultados, porém, ainda estão em aberto: bandidos dos morros “pacificados” mudaram de área, houve menos prisões de criminosos do que o desejável, o tráfico de drogas, de maneira menos ostensiva, continua e, sabidamente, não há recursos materiais e humanos para somar às 13 UPPs em funcionamento as que seriam necessárias em outras 190 favelas — das mais de mil existentes no Rio — controladas em algum grau pela bandidagem.
O momento atual vem sendo considerado “histórico” pelas autoridades e pela mídia. De fato, foi de se emocionar ouvir o comandante da PM do Rio, o calejado, sólido coronel Mário Sérgio Duarte, ele próprio de voz trêmula, anunciar que estava decretada “a liberdade dos cidadãos do Complexo do Alemão”. Foi confortador ouvir a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), deixando de lado seu tradicional corporativismo, por meio de seu presidente, Ophir Cavalcante, dizer alto e bom som que advogados de criminosos presos por envolvimento na onda terrorista “não são advogados, são bandidos”.
POPULAÇÃO APLAUDE A POLÍCIA, MAS AINDA FALTA MUITA COISA
E foi especialmente animador – e inédito – constatar, depois de décadas de mútua desconfiança, quando não de franca hostilidade, a aproximação entre a sofrida população pobre do Rio e sua polícia, com os cidadãos aplaudindo os policiais e colaborando com as autoridades. A aura de heroísmo que cercava o Batalhão de Operações Especiais (Bope) começou a estender-se a outras unidades da PM, e percebia-se nos homens envolvidos nas ações um orgulho pela farda que parecia extinto.
A vitória sobre o crime obtida no domingo só será verdadeiramente “histórica”, no entanto, se as forças da ordem envolvidas nessa operação e os governos federal e estadual conseguirem transformar o extraordinário impulso psicológico e político do episódio num processo.
Ainda falta muita coisa. Ao longo do caminho, vai ser necessário, entre outras mudanças, atacar a corrupção na polícia do Rio, melhorar suas condições de trabalho, seu equipamento e seus salários e reformular o pavoroso sistema penitenciário do estado – objetivos ambiciosos, caros e difíceis.
Que, não nos iludamos, é coisa para no mínimo uma década. O resultado final, contudo, certamente compensará.
Fonte: Veja.com
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