sábado, 29 de janeiro de 2011

TEMPO LOUCO: Inundações na Austrália: por que estamos surpresos? (parte 2)

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O resto do mundo deve estar espantado. Apesar da previsão de subida do rio Brisbane ter sido feita dias antes, proprietários deixaram seus barcos no rio, alguns amarrados em ancoradouros, os quais foram arrancados
*por Germaine Greer
Brisbane inundada
Literalmente, centenas desses ancoradouros foram carregados rio abaixo, colidindo com lanchas a deriva que já se batiam umas as outras. Um grande pedaço de uma passarela sobre o rio se soltou e virou um míssil aquático. Um restaurante flutuante foi sugado para debaixo de uma ponte. Surgiram idiotas em jet skis apostando corrida naquela água marrom, sem se preocupar com os detritos semi submersos que poderiam fazê-los em pedacinhos. Pessoas que insistiram em permanecer em seus apartamentos parecem não ter compreendido que a companhia elétrica seria obrigada a interromper o fornecimento de energia, que suas geladeiras não funcionariam, e que os supermercados que não estavam debaixo d’água não tinham mais comida. Pode levar semanas até que toda a água seja drenada das ruas de Brisbane, e esses durões acabarão obrigados a pedir ajuda ao pessoal de emergência.
A versão oficial é de que, nas áreas inundadas, os australianos estão sendo maravilhosos. Superam as dificuldades, ajudam uns aos outros, mantêm o bom humor, não reclamam. Quando têm a oportunidade, fazem declarações inspiradoras sobre como vão reconstruir suas comunidades, mais fortes e melhores do que nunca. Bradam que os habitantes de Queensland jamais desistem. Mas ninguém debate como reduzir o risco de inundações.
A cor da água revela uma verdade terrível. O que a correnteza leva é a camada superior de solo. Ela se move tão rápido porque está tudo desmatado. Qualquer região arborizada, como a minha, é capaz de absorver muita água. Lá atrás, em 1923, Sydney Skertchly, geólogo inglês que que trabalhou para o governo de Queensland, alertou que a chuva que caia na parte superior do rio Nerang encurtou para 5 horas o tempo em que alcançava sua casa, na planície costeira de Molendimar. Antes do desmatamento, levava 5 dias. Quando os colonos chegaram à costa de South Wales e de Queensland, os rios eram navegáveis. À medida que o abate da floresta tropical avançou, as chuvas sazonais carregaram terra para dentro dos rios que, assoreados, começaram a transbordar.

A maré marrom que agora polui o mar do leste da Austrália certamente vai prejudicar os já danificados ecossistemas marinhos. O mundo precisa que a Austrália restaure os seus mangues, que é onde os nutrientes levados por essa água marrom seriam reciclados. Assim como sedimentos, essa água carrega nutrientes e pesticidas das áreas agrícolas, bem como qualquer porcaria das minas de carvão, também inundadas. A salinidade da água do mar pode cair para 10 partes por 1.000 – ou menos – e permanecer assim por semanas. Quando o rio Fitzroy inundou Rockhampton em 1991, morreram todos os corais e plantas marinhas próximas às Ilhas Keppel. A região ainda não se recuperou, mas a maré marrom voltou no início de janeiro, e continua vindo. Prevê-se que a água doce que por hora deságua nos mares da Austrália rume em direção ao norte, onde a Grande Barreira de Coral já se debate por conta do aumento da temperatura do mar. Para os ecossistemas o pior, talvez o muito pior, está por vir. A Austrália deve ao resto do mundo controlar suas enchentes. Senão, companheiro, não vai ser legal.
A fauna da floresta está acostumada à chuva. Depois de se empanturrar com as pererecas que se acasalavam em uma poça, uma cobra-arbórea-marrom veio dormir na minha varanda. Os pássaros também deram o ar de sua graça. Um papa-moscas avermelhado está caçando o seu café da manhã sob o meu telhado, porque não há insetos em meio à chuva; e um bower goza sua chuveirada matinal, 50 metros acima, no topo de uma árvore quandong, limpando meticulosamente suas penas reluzentes.

* A escritora Germaine Greer nasceu na Austrália, onde passa de 3 a 4 meses por ano administrando a iniciativa Esforço de Reabilitação da Floresta Cave Creek, em Queensland.

Este artigo faz parte do Guardian Environment Network.


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