Histórias secretas de “Playboy” (1):
o dia em que Maitê Proença foi regra 3 de Vera Fischer
por Ricardo Setti
(Os leitores não têm a menor obrigação de saber, mas a uma certa altura de minha longa carreira no chamado jornalismo hard – cuidando especialmente de temas políticos e relações internacionais – e no desempenho de cargos editorias executivos, coube-me ser diretor de Redação da revista Playboy, entre 1994 e 1999. Um período muito rico, que, felizmente, deu resultados muito positivos para a Editora Abril e rendeu muitas histórias que nunca contei. Começarei a fazer isto agora, no blog).
Lidar com deusa não é brincadeira.
Eu que o diga quando ousei tentar contratar Vera Fischer para ser a estrela de capa da edição de 21º aniversário de Playboy, em 1996. A edição, como sempre, sairia no mês de agosto. E deveríamos enviá-la à Gráfica da Editora Abril, pronta, “fechada”, no jargão jornalístico, no máximo na primeira semana de julho, como costumava acontecer com as revistas mensais.
Tínhamos o desafio representado pela edição de aniversário do ano anterior, dos 20 anos redondos, com Adriane Galisteu na capa – felizmente na minha gestão. Vendera 1 milhão de exemplares nas bancas, a que se juntavam 180 mil assinantes. Estourara também em páginas de publicidade. Não era propriamente necessário superar ou mesmo igualar o recorde. Só que não podíamos fazer feio.
Assim sendo, comecei a me preocupar com a edição de agosto já em janeiro, sempre secundado, nesse sofrimento, por uma grande profissional que era meu fiel braço direito no terreno das contratações e dos ensaios de nu – a editora de Fotografia, Ariani Carneiro. Na primeira reunião sobre a edição de aniversário, decidimos por um nome: a estrelíssima Vera Fischer. Ah, que complicação, ainda me lembro bem.
A DEUSA EM INFERNO ASTRAL – Com altos e baixos pessoais, Vera continuava atraindo holofotes mas, por alguma razão que desconhecíamos, vivia uma fase de inferno astral. Frequentara uma única vez a capa da revista, catorze anos antes, em fevereiro de 1982. Agora, mostrava-se arredia, inacessível, até hostil, não queria conversa com ninguém.
Juro que não era nada fácil ser diretor de Playboy. Havia, claro, muitas compensações, mas ao prazer e ao desafio de todo mês produzir um forte pacote de jornalismo, humor, ficção e serviços para o leitor juntava-se a permanente aflição de precisar preencher uma capa ainda em branco com uma mulher bonita e, sempre que possível, famosa.
Cada uma delas demandava extensas negociações, ofertas e contra-ofertas financeiras, exame e reexame de minutas de contratos – e o tempo correndo, correndo.
Pois bem, voltando a Vera. Como estava difícil sequer começar uma negociação, abrimos, como de praxe, outra frente – sempre em sigilo, para não melindrar as partes envolvidas, um problemaço quando eventualmente acontecia. Ariani passou a conversar, naquele mesmo janeiro, com Maitê Proença. Eu troquei faxes com ela, cuja cópia ainda guardo. (Estávamos na fase pré-email).
A bela Maitê já estivera na capa de Playboy em fevereiro de 1987, e a respectiva edição seguia constando entre as mais vendidas em bancas da história da revista, com 626,1 mil exemplares. Ainda ostentando a mesma beleza clássica ao se aproximar dos 40 anos, sem grandes considerações a víamos como uma boa alternativa.
RUMO À CASA DE VERA, NO RIO – De repente, abre-se uma brecha na frente Vera Fischer. Depois de dezenas de contatos, telefonemas e sondagens, um agente, também advogado, com quem costumávamos tratar aqui e ali, aparece em nome de Vera. Vamos negociar.
Aí seguiu-se um sem-número de faxes para lá, faxes para cá. Nas mensagens, focadas sobretudo em cifras, acabamos chegando a um acordo: Vera receberia um bom xis à vista, tão logo estivesse concluído o ensaio, e seria premiada com o sucesso com xis centavos de real por cada exemplar vendido acima de um determinado limite.
Essa forma de contrato agradava à área financeira da Editora Abril porque dividia os riscos – e, claro, o êxito – com a contratada. Prudentes, precavidos, contudo, mantínhamos vivos os contatos com Maitê, a cargo da paciente, educada e competente Ariani. O sinal amarelo de alarme fora ligado: já estávamos quase no fina de abril.
Fechado o acordo por fax, combinamos uma conversa pessoal com Vera, em sua casa, no Rio. Para lá seguimos de São Paulo, no mesmo vôo, Ariani, o agente e eu. Juntos, pegamos o mesmo táxi. A deusa morava numa bela casa de dois andares no Joá, com uma vista espetacular para o mar, as montanhas verdejantes e a linha de edifícios de São Conrado, bem ao longe.
ELA TINHA OLHOS BELOS, MAS TRISTES – Para dizer a verdade, não fiquei bem impressionado ao chegar. A casa carecia de cuidados, de alguma maneira, imaginei, refletindo o mood então atribuído à dona. Pintura descascada, piscina semi-abandonada, um velho sofá, molhado por uma goteira, na garagem que abrigava um Volkswagen Golf, importado e novinho, verde.
Ao entrarmos pelo grande portão da frente, pudemos perceber uma escada que levava da cozinha ao quintal. Sob o vão, ao lado de um tanque de lavar roupa, aglomeravam-se garrafas de plástico e vidro vazias. No ar, um certo ar de abandono.
Sentamo-nos num sofá na sala espaçosa e envidraçada, recebidos pelo único empregado doméstico presente, um rapaz que também cuidava de Gabriel, o irrequieto e cabeludo filho da atriz com o ator Felipe Camargo, então com três anos.
De repente, ela. Cabelos dourados, olhos azul turquesa, pouca maquiagem, calça comprida, uma blusa rosa, de crochê, e sandálias. Parecia um tanto apressada, impaciente. Surpreendi-me com seus olhos, muito tristes, apagados, apesar de belos. Adiantei-me em agradecer por nos receber e passei ao discurso que ensaiara, elogiando seu trabalho profissional, seus dotes, dizendo de nossa admiração pelo que ela havia conquistado. Vera me cortou, brusca:
– Tudo bem, tudo bem, mas quero deixar bem clara uma coisa: já fiz essa história de participação em teatro, me dei mal e nem quero ouvir falar no assunto.
O ADVOGADO, HIPNOTIZADO PELOS SEIOS SEM SUTIÃ – Quase emudeci, mas toquei em frente. Disse que teatro era uma coisa, revista, outra. Argumentei com a solidez e a credibilidade da Abril. Naturalmente sem mencionar cifras, citei exemplos de estrelas que haviam declarado grande satisfação com o esquema de participação.
Ariani, esperta e experiente, deu um jeito de mudar a conversa. Onde Vera gostaria de ser fotografada, em que país? Tinha idéia de algum tema que lhe agradasse? – sua primeira vez em Playboy havia sido um ensaio em que ela, a despeito da lourice, protagonizava uma espécie de deusa grega.
Quanto ao agente e advogado, mantinha-se alheio à peremptória reação de Vera ao tipo de contrato que eu próprio negociara longamente com ele. Parecia hipnotizado por um detalhe: a deusa estava sem sutiã, e suas protuberâncias bronzeadas estufavam a blusa de crochê.
A conversa, inevitavelmente, voltou à questão da participação. Vera mantinha-se intransigente, não queria saber de um contrato assim. Vi que tudo fora por água abaixo quando ela, em terminado momento, afirmou:
– Bem, de qualquer maneira vou pensar no assunto e, é claro, preciso consultar meu advogado.
VONTADE DE ESGANAR – Estarrecido – até então julgava, por todas as razões do mundo, que nosso companheiro de viagem representasse Vera legalmente –, encaminhei o diálogo para o fim. Despedimo-nos de forma civilizada, combinamos futuros contatos. Percebi, porém, que para a edição de agosto seria impossível estampar a deusa na capa.
Voltamos, os três, em silêncio para a Zona Sul do Rio. No táxi, eu espumava de raiva contida. Meu impulso interior ordenava esganar o advogado. Só que silenciei, engoli o gigantesco sapo, diante da carteira de estrelas que ele representava. Quem sabe mais adiante eu o colocaria contra a parede, exigindo uma explicação para o vexame. Agora, não.
As maravilhas de ser diretor de Playboy, lembram-se?
Nosso companheiro de viagem marcara compromissos no Rio, de modo que desembarcou do táxi em Copacabana enquanto Ariani e eu rumamos para Aeroporto Santos Dumont. Imediatamente pedi a Ariani:
– Por favor, dê um telefonema pra Maitê e tente marcar um encontro para acertar o contrato.
Do próprio carro, por celular, ela deu sorte e falou com Maitê na hora. Marcou-se a reunião para dias depois.
E MAITÊ ASSINA UM CONTRATO – A 8 de maio de 1996, em seu apartamento num edifício ao lado do hotel Copacabana Palace, no Rio, Maitê Proença, a regra 3 de alto luxo que mantínhamos de sobreaviso, assinou contrato para estrelar a capa do 21º aniversário de Playboy.
O ensaio, assinado pelo magnífico fotógrafo Bob Wolfenson, teve como palco o interior da Sicilia, no Sul da Itália, em junho. Sobre isso falarei num post futuro.Durante muito tempo imaginei que Maitê nunca soube que nossa primeira opção havia sido por Vera Fischer. Hoje, analisando o quanto custou financeiramente aquele ensaio e as exigências posteriores da atriz – Ariani viajou pelo menos meia dúzia de vezes para o Rio com provas do ensaio, para o exame rigoroso e detalhado de Maitê – acho que, sim, de alguma maneira ela ficou ao par.
De todo modo, valeu a pena. Fotos do ensaio figuram em revistas e livros de fotografia até hoje. E Playboy vendeu quase meio milhão de exemplares nas bancas.
De minha parte, fiquei feliz e aliviado. Até me lembrar de que, em setembro, havia outra capa a ser feita.
Postado originalmente por: http://lc4.in/jqt5
Nenhum comentário:
Postar um comentário